Democracia e Educomunicação

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DEMOCRACIA E EDUCOMUNICAÇÃO

por Carlos Ferraro*

“A política, segundo a doutrina social da Igreja, é uma das mais altas formas de caridade, porque busca o bem comum”. - Fonte: Encíclica "Fratelli Tutti" (2020)

"A democracia precisa de virtude, se não quiser ser vítima de seus próprios mecanismos." - Fonte: Encíclica "Fratelli Tutti" (2020 See More

Quando os países com sistemas democráticos formais se aproximam dos tempos do processo eleitoral, é comum ouvir os cidadãos reclamarem dos políticos, falarem mal da política e, em muitos casos, se isentarem de comentar o assunto, argumentando que não se interessam por política. desacreditar e supostamente ficar fora disso.

É comum acreditar que a política é domínio exclusivo dos políticos, e projetar neles a responsabilidade por todos os males que ocorrem no mundo.

Na sociedade, poucos entendem que a política é responsabilidade de quem exerce o poder representando e dos representados que os elegeram para os diversos cargos públicos.

Esse argumento que pode ser reconhecido como básico, porém, contém o nó do que fragiliza o sistema democrático.

Não há outro responsável pelo que acontece - para o bem ou para o mal - nas democracias do que o próprio cidadão.

O voto deve ser algo como uma carta de poder condicional e provisória ao presidente, fruto de um processo de formação, informação crítica e fundamentalmente consciência de valores que constroem o bem comum na sua amplitude máxima por parte do presidente.

O que é ser cidadão?

É um sujeito ativo e responsável que deve estar interessado e permanentemente informado sobre o que se passa no mundo, na região onde vive, no seu próprio país e na sua comunidade de pertença.

Estar suficientemente aberto a informações de diferentes fontes, evitando ser enquadrado naquela que apenas mostra a realidade que se conforma às suas convicções, caindo assim num viés informativo e cognitivo que os mantém em zona segura.

Ser cidadão é entender a economia, os interesses geopolíticos, conhecer os direitos humanos, ter um olhar sensível para setores socialmente desfavorecidos. É preciso entender como operam as mídias hegemônicas, principalmente ao entrar nos períodos pré-eleitorais. Analisar a realidade. Aprenda a argumentar para saber debater. Expressar e questionar suas próprias ideias e as dos outros. Ouça com empatia. Dialogar, orientar, propor e até esperar.

O cidadão deve entender e aceitar que a democracia não funciona só com o voto, o que exige dele a participação ativa e permanente como protagonista. Você deve aprender a reivindicar, lutar pelos seus direitos e os dos outros, fiscalizar e exigir que seus representantes cumpram o mandato concedido.

Você deve se conscientizar e exercitar a prática coletiva e solidária, não individualista do salve quem puder.

Pode-se pensar que atender a esses requisitos no cidadão comum é uma utopia. E sim, mas quem poderia provar que um cidadão com essas conquistas, virtudes e habilidades não melhoraria substancialmente a democracia? Ou que sem ela a verdadeira democracia é possível.

É comum ouvir cientistas políticos ou sociólogos questionarem a democracia como um sistema válido de representação. É possível que ela tenha que ser repensada em termos de representatividade ou participação, levando em conta a experiência vivida pelos povos inseridos naquele sistema. Mas qualquer nova democracia que se vislumbra precisa de atores interessados, envolvidos, ativos e empoderados.

Não adianta muito lançar culpas e viver reclamando constantemente da política. Pregue que: “Eles são todos iguais”. No hay salida”, “Es inútil pelear con el poder”.”Son todos corruptos”.Dichos pensamientos o actitud no suman, no provocan cambio , no aportan salida , solo son manifestaciones cómodas que colocan al individuo en sumisión a ese poder del cual queixa-se.

É imprescindível entender que se eu não exercer e fiscalizar meus direitos e os dos outros, os interesses do poder espúrio avançarão sobre o abuso e a dominação.

É inútil pensar que a democracia funciona por si mesma, é errado acreditar que no exercício dela qualquer um pode fazer o que quiser. A liberdade, constituinte essencial da mesma, exige limites e responsabilidades de todos os atores em seus diferentes papéis e funções.

Embora seja difícil e às vezes compreensível aceitar, é preciso pensar que, em termos reais, a maioria dos políticos não é corrupta. Na verdade é assim. É injusto não reconhecer que muitos deles trabalham realizando, na maioria das vezes com particular esforço, os ideais com os quais se comprometem a melhorar a realidade. É justo pensar nas coisas que se alcançam, fazer um esforço para olhar com objetividade as ações de mudança para o bem comum, independente da ideologia que o presidente representa. É imperativo pensar que nem tudo e nem todos são iguais.

O cidadão democrático não é um ator estático. Vive um permanente processo de crescimento civil. Ele se interessa e defende os assuntos públicos; e mesmo que pessoalmente precise pouco, tem consciência da importância de políticas que melhorem a qualidade de vida do grupo social.

Mas cidadão é também aquele que deve ter memória ativa. Tenha em mente aqueles fatos que estabeleceram a realidade de hoje. A memória não é um olhar nostálgico ou rancoroso. É o que permite que o “pensamento passado” esteja presente, para não repetir o que a história política recente ou passada ensina que é preciso mudar para alcançar resultados superiores.

Se concordarmos que é assim que se formam os cidadãos para uma democracia em pleno funcionamento, há muito a ser feito.

A primeira coisa que pensamos é a necessidade da educação e daí derivamos a pergunta:

Que tipo de educação é aquela que forma um cidadão?

Vamos pensar primeiro na educação que não deveria existir .

Não pode ser aquele que é funcional ao sistema a ser transformado. Aquele que ensina história de forma acrítica, em que quem ensina não dialoga com quem aprende. Uma educação que dispensa mostrar a dimensão política na vida de uma sociedade. Uma educação que apenas treina para o conhecimento sem mergulhar em valores. Uma educação baseada na meritocracia ou na competição. Não pode ser uma educação que deposita tudo na tecnologia. Não pode ser uma educação que nega as diferenças. Isso não ensina a contextualizar, a pensar criticamente, a emancipar o sujeito que aprende. Não pode ser uma educação em que a realidade, objeto último de estudo, fique de fora da sala de aula.

Hoje o exercício da educação ocorre dentro de um quadro de realidade ideológica que não podemos ignorar: o avanço da ultradireita, o populismo de qualquer tipo, o neofascismo ou o fanatismo ideológico que conduz ao fundamentalismo de qualquer tipo. Esses extremismos prejudicam o desenvolvimento de uma educação democrática. Não há muito o que discutir sobre esse tema, as rachaduras, as polarizações e os preconceitos instalados na estrutura social são responsáveis por isso. Também não é possível construir a democracia com um sistema de mídia e redes que se expressam com violência simbólica, mentiras chamadas fake news, desinformação, discursos contraditórios e até mesmo perversos e desumanizados que alimentam o imaginário social.

Assim, para a formação do cidadão, educação e comunicação devem estar indissociavelmente integradas. Não há educação sem comunicação e não há comunicação sem educação. Quem entende de educomunicação sabe que ela constrói uma visão holística da realidade que combina saberes, diferenças e reconhece a complexidade, que desenvolve a dimensão crítica e ao mesmo tempo propositiva criativa que é o que faz a diferença para a possibilidade de mudança e reconhece o valor da comunitário e coletivo.

A mudança social para a democracia não é sustentada por sujeitos niilistas ou céticos. Além disso, seus discursos tornam-se perigosos porque não contribuem, não constroem, são vazios e criam um campo de descrença e fazem cair aqueles que estão confusos ou acomodados em um vácuo que outros preencherão com outros interesses. Na política, os únicos espaços vazios são aqueles que se está disposto a deixar.

As democracias têm sofrido nos últimos tempos uma circulação de discursos que transitam com a cumplicidade do poder político e da mídia hegemônica, agravada, em alguns casos com o respaldo do ordenamento jurídico. É notório como estes discursos apelam à difamação, ao descrédito e ao cinismo, muitas vezes beirando a perversão.Assistemos a uma degradação do discurso político que conduz à naturalização e consequente aceitação por parte dos cidadãos. A contradição, a distorção dos fatos e o excesso agressivo do discurso parecem não importar; "vale tudo" é aceito.

Observa-se no panorama democrático a emergência de lideranças com propostas violentas e radicais como formas de resolver os problemas. E o mais preocupante é que parece estar ocorrendo uma anomia social que não alerta nem reage à baixa qualidade humana da figura política. Aceitam-se lideranças inconsistentes na visão política, falta de sensibilidade para com o povo, até falta de conhecimento sólido para saber gerir a complexidade do poder e as reais necessidades do povo, dos seus constituintes.

A maioria dos cidadãos esqueceu o princípio essencial da democracia implícita na palavra que a define e significa, "demos" (δ μος) que significa "povo" e "kratos" (κράτος), ou seja, nem mais nem menos que A soberania é exercida pelo povo que a exerce diretamente ou por meio de seus representantes.

O primeiro passo a ser dado é simples e urgente, é preciso voltar ao início com a vantagem de mais de 2.500 anos de experiência em democracia para saber o que precisa ser corrigido ou mudado. E também temos como educar para alcançá-lo.

*É Educomunicador, Presidente da SIGNIS ALC e Diretor do Departamento de Educação para a mídia da SIGNIS World